Umbanda, manicômio e iniciação

Umbanda, manicômio e iniciação

 

Olgária C.F. Matos (1)

Trata-se de percorrer – colocando-se uma quantidade de problemas novos e, por assim dizer, com olhos novos – o enorme, o longínquo e tão misterioso país do Poder.
Nietzsche

Neste livro, a autora procura rastrear a questão do Poder na umbanda, no manicômio e na iniciação, buscando o que há “de invariante nos diversos casos”. O Poder que se institui no Manhas do poder é encarnado pelo censor/servidor da instituição: é ele quem transpõe o desejo pelo viés do preceito ou do interdito; ele está investido do bem-feito da regra e do direito legítimo; a instituição fascina por ser seu objeto um objeto de desejo, em que conflitam, segundo Betty Milan, a infelicidade de uma falta e o desejo de um gozo.

Segundo a autora, o censor recupera e desloca a energia desejante na direção de objetos substitutivos, anulando o desejo ao desviar a infelicidade e a falta; há nele um mecanismo de “dissimulação da verdade”, que produz a ilusão da satisfação por máscaras, em vez de fazer triunfar “a verdade do desejo” (Legendre). É deste ponto de vista que Betty faz transparecer o arbítrio que se esconde por detrás de uma “legitimidade de Poder”: “O poder se configura através do absolutismo, do enigma de um saber legitimado por uma lógica transcendente (…) cuja função é a de tornar necessários os atos do poder”.

O livro procura revelar a maneira como o Poder transcende as intuições para se instalar nos confins dos gestos do corpo e no discurso. Neste sentido, as instituições funcionam pela força do corpo, que, subjugado e investido por elas, o torna obediente às leis desta “física do Poder”. O corpo se torna lugar da disciplina e da docilidade que traveste o desejo, transformando-o no princípio de sua própria sujeição. As instituições produzem, pois, a “servidão voluntária”. O Poder forja uma alma para este corpo de tal forma que o sofrimento, a ferida narcísica e a morte são a um só tempo reivindicados e temidos. Esta alma é o produto do investimento do corpo ou, ainda, “o corpo é a prisão da alma”.

O livro suscita questões referentes a uma “anatomia do Político”, das instituições que tomam e produzem o Poder. A pergunta urgente é: por que tipo de sujeição e de investimento do corpo o Poder do chefe se produz? Este livro aponta questões de onde deverão decorrer brechas para que nossos corpos disciplinados, adestrados, sequestrados e prisioneiros possam se insurgir.

________
1. Olgária Matos é filósofa e professora universitária. É autora, entre outros títulos, de Discretas esperanças: reflexões filosóficas sobre o mundo contemporâneo e Os arcanos do inteiramente outro. Artigo publicado em Leia Livros, janeiro, 1980.