Motim no presídio

Motim no presídio

 

P: O que significa essa “tribuna do preso” que você propôs nos jornais e na televisão?
BM: Eu digo e repito que é preciso dar ouvidos ao preso, é preciso escutá-lo. O poder público anuncia uma reforma nos códigos penal e processual, mas ele faz isso distanciando-se da realidade concreta da penitenciária e por isso corre o risco de fazer uma reforma que na prática seja ineficaz. Para mudar o que quer que seja, é preciso dar a palavra ao preso, dar a ele uma tribuna, seja nos jornais, seja na própria televisão. Cabe a ele orientar a reforma da Lei, isto é, reorientar um país que produz e reproduz o crime.

P: Qual o papel do psicanalista nesta luta?
BM: Denunciar todo o uso da psicanálise ou da psiquiatria que sirva para abalizar a violência do sistema contra o preso. Por exemplo, o exame psiquiátrico cuja finalidade é avaliar a periculosidade do criminoso e em nome do qual todo o tipo de violência pode ser praticada contra ele. O perigo do psiquiatra na instituição carcerária é atestado pelo caso do líder messiânico Galdino, que ficou vários anos no manicômio judiciário por ser considerado esquizofrênico, quando ele era um místico, nunca um psicótico como se pode mostrar pela análise do laudo médico. Eu sugiro mesmo que se faça um simpósio sobre o diagnóstico de periculosidade para rediscutir os critérios hoje utilizados. Condenar Galdino é equivalente a fazer de Santa Tereza D’Ávila e de Jesus Cristo psicóticos.

P: Quais as medidas necessárias para humanizar a prisão?
BM: Não se trata de humanizar mas de esvaziar a prisão, a Febem, o Juqueri e as outras instituições cuja única finalidade é reprimir, nunca procurar as verdadeiras razões do crime ou da loucura. A psiquiatria moderna nasceu de um projeto humanitário que produziu os monstros que nós hoje conhecemos, os hospícios, onde só se entra para perder a identidade, os manicômios judiciários, onde se fica preso sem julgamento, as antessalas da morte, cumprindo a pior das penas, a de desconhecer a pena a que se está sujeito.

P: Quais as razões subjetivas do crime?
BM: Cada crime é um crime, não há como generalizar. John Lennon, por exemplo. Não teria ele solicitado o próprio assassinato dizendo que ele e os Beatles eram mais célebres do que Jesus Cristo? Colocando-se através disso na posição da vítima? Mas, em cada caso, as determinações do criminoso são diversas, e, para conhecê-las, é preciso que seja ouvido. O mesmo silêncio a que ele está condenado nos condena a ignorar o porquê da violência a que todos estamos sujeitos. Só a palavra dele poderá nos liberar do medo.

P: O que teria motivado os motins?
BM: Segundo o jornal, o que desencadeou os motins em sete presídios foi uma simples interrupção de um jogo de futebol. É óbvio que isso é uma mentira. A razão dos motins é outra, ela deve ser procurada nas condições vigentes na penitenciária, onde, além da reclusão, o criminoso está sujeito a uma infinidade de outras penas. Por exemplo, a de já ter cumprido a pena e continuar preso. Isso significa que a própria Lei, a própria Justiça obriga o criminoso a desacreditar da lei. Isso significa que a lei é criminosa e que é ela que precisa ser revista. O preso é privado dos mínimos direitos, o direito mínimo de transar com o sexo oposto e, nesse contexto, a homossexualidade deixa de ser uma alternativa para se tornar uma prática a que ele se vê condenado. Interditada pela Lei, a sexualidade fica sujeita à lei do mais forte. Como psicanalista, o que eu tenho a dizer é que não cabe ao psicanalista psicanalisar o preso, fazer dele, além de um preso, um doente; mas cabe a ele denunciar o uso da psicanálise ou da medicina que sirva para abalizar a violência do sistema contra o preso, cabe a ele denunciar o uso que se faz do exame biométrico, terror de todos os prisioneiros que ouvi na Penitenciária do Estado, onde, em nome da periculosidade possível, se justifica tudo que se faz contra eles, cela fortificada, prorrogação da pena, entre outros. Solução eu não tenho que não seja a de propor uma “tribuna do preso”, que ele seja escutado para que se possa, através da sua fala, encontrar uma solução. Dizem que o preso é mentiroso, mas ele não é mais mentiroso do que cada um de nós, e ninguém melhor do que ele sabe das razões que o determinaram e dos caminhos novos a serem buscados.