Baal II

Baal e as origens

 

1-Por qual motivo resolveu escrever Baal? De onde veio essa obra, de uma vontade sua de falar sobre imigração ou de algo mais pessoal que tem a ver com suas origens árabes? O que motivou a escrita do romance e onde buscou a inspiração?

A demolição do palacete construído pelos meus avos libaneses em frente ao  Teatro Ruth Escobar, foi um trauma. Era, como eu digo no romance, « uma jóia do Oriente no Ocidente ». Nele, a minha avó, acolheu muitos imigrantes. O palacete devia ter se transformado num memorial da imigração. Semelhante ao que fizeram em Miami para evocar o drama da imigração cubana. Sei que muitos outros palacetes foram destruídos em São Paulo, mas o que me inspirou foi o da minha família.

 

2- Em Baal, o personagem Omar é do Oriente Médio. De que país no Oriente Médio? Por que você não especificou?

Não especifiquei porque o drama de Omar é o de todo imigrante. Como ele, os outros são obrigados a se tornarem os salvadores de si mesmos para não morrer. Como ele, são vítimas da xenofobia, ou seja, do medo do estrangeiro. Tanto neste romance quanto no outro romance em que eu me debruço sobre a diáspora, O Papagaio e o Doutor, o tema da xenofobia está presente, o do nativo em relação ao imigrante, o do próprio imigrante em relação ao nativo e o do descendente do imigrante em relação a si mesmo. Desenvolvi este tema na conferência que eu fiz no Líbano no contexto da Lebanese Diaspora Energy , um evento extraordinário, importante para o Líbano, que precisa viver em simbiose com o resto do mundo, como diz Amin Maalouf que eu entrevistei recentemente para a Folha e cuja entrevista pode ser vista no Youtube.

 

3- Além de Baal, outro livro seu O Papagaio e o Doutor, de 1991, fala dos árabes. Pode me contar um pouco sobre o contexto em que escreveu essa outra obra, o que a motivou?

O Papagaio e o Doutor foi inspirado na minha análise com Lacan. No romance, ele é o ancestral imaginário da protagonista e ela só consegue se separar dele, evocando a história dos ancestrais  libaneses. No Papagaio, eu focalizei sobretudo a família paterna e, em Baal, a materna.  Cedi os direitos do Papagaio para um diretor americano de cinema, Richard Ledes, e o Eliot Gould deve fazer o papel do Lacan.  

 

4-Além de Baal e O Papagaio e o Doutor, tem outros livros que trazem algo sobre os árabes ou que os mencionem? Pode me dizer quais?

Falo um pouco dos ancestrais imigrantes em Carta ao filho, que não é um romance, é um livro biográfico. Conto a história real dos avós paternos, que são originários de um vilarejo no Monte Líbano, de onde eles imigraram há mais de cem anos. Estive lá e tive uma grande emoção porque as paredes de pedra da casa do meu avô  foram preservadas pelos descendentes e porque eu vi a montanha que eles desceram para chegaram até o mar. Os imigrantes são verdadeiros heróis e devem ser tratados como tais.  

 

5 – Como percebe a relação da sua origem árabe/libanesa com a sua atuação na literatura. Todos dizem que os árabes são bons contadores de história. Acredita que isso tem relação com seu talento ? Aprendeu a contar histórias com a família?

Meu avô era um  grande contador de histórias. Contava em árabe e português. No romance Baal, eu falo dos contadores de história, os chamados hakawati. O melhor amigo de Omar, o  protagonista, Uad, era um contador que falava de Sindbad o Marinheiro, uma espécie de patrono do romance. Como os mascates, Sindbad viajava para negociar.

 

6-Pelo que vi no seu site, você tem dez romances escritos, dois livros de crônicas, cinco de ensaios, um de teatro, um de artigos, dois de entrevistas, dois de consultas sentimentais e um infanto-juvenil. Quantos foram traduzidos e para quais idiomas? Há algum traduzido para o árabe?

O Papagaio e o Doutor foi traduzido para o francês, para o espanhol e para o inglês. A Mae eterna foi traduzido para o português de Portugal e para o espanhol. E eu tenho um livro de crônicas, Paris não acaba nunca,  traduzido para o francês, o inglês e o chinês. Agora falta traduzir os romances sobre a diáspora para o árabe.

 

6 –Gostaria de publicar Baal em países árabes ou no Líbano especificamente? Por qual motivo? Acredita em algum tipo de efeito do conteúdo deste livro sobre eles?

Se os meus livros forem publicados  em árabe, os  habitantes do Oriente Médio conhecerão o drama da imigração que é sobretudo decorrente da guerra. Os romances podem ter um efeito pacificador, além de liberar as mulheres.

 

7 – Como é sua relação com o Líbano? Já viajou ao país? Foi a trabalho, foi para conhecer suas origens, a turismo?

Fui aos 14 anos com meus pais para conhecer os ancestrais. Voltei agora a convite do cônsul do Líbano em São Paulo para participar da Lebanese Diaspora Energy. Foi uma experiência extraordinária. Visitei os principais pontos turísticos.  O Líbano é uma jóia, patrimônio da humanidade, mas a situação atual é difícilima. Além da guerra na Síria e a da presença dos refugiados existem problemas ecológicos serissimos. Acho que a próxima conferência da diáspora deveria focalizar a ecologia.

 

8 – Pode me contar um pouco da sua história familiar libanesa? Quem da família materna ou paterna veio do Líbano, como foi essa vinda, em que áreas  eles trabalharam? Enfim, uma trajetória resumida da sua família até chegar a você.

A família materna é originária de Zahle e Baalbeck. A paterna do vilarejo no Monte Líbano. Todos eles começaram como mascates e foram muito bem sucedidos. As histórias estão nos meus livros.

 

9 – Que lembranças e vivências pessoais têm que estão relacionadas às suas origens libanesas? Pode me contar uma, duas, três?

Uma da melhores lembranças é da minha avó paterna fazendo o pão árabe. Descrevo isso em Carta ao filho. Outra lembrança é de uma tia que dançava o dabke, ela me faz pensar na Saraguina do Oito e Meio do Felini. Também me contava histórias, inspirou o personagem Lora do Papagaio e o Doutor.

 

10 – Foi homenageada recentemente no congresso da Diáspora libanesa. Como foi isso? De onde partiu? Como recebeu a homenagem?

Fui surpreendida pela homenagem. A iniciativa foi do cônsul,o Rudi, que é uma pessoa adorável com o espírito de que a diáspora precisa, ele é capaz de fazer a inclusão necessária.

 

11-Sei que estudou Medicina e depois Psicanálise. Hoje se dedica à Psicanálise e à Literatura. Qual seu universo de atuação atualmente na Psicanálise? Atende em consultório? Faz pesquisa, dá aulas também? E na literatura? Além de escrever, também dá aulas, leva adiante algum grupo?

Parei de clinicar. Mas tenho falado em diferentes associaçoes psicanalíticas do Brasil e do exterior.  Recentemente estive em Nova York para isso. Agora, no entanto, pretendo me dedicar sobretudo à literatura e ao teatro, escrevi sete peças.

 

12 – Teve ou terá algum dos seus livros adaptados para o cinema? Pode me dar mais informações sobre isso? Quem está adaptando, se há previsão de filmagem?

Cao Hamburguer comprou os direitos de A Mãe Eterna para o cinema há dois anos, mas a filmagem depende da Ancine. Como eu ja disse, os direitos para adaptaçao de  O Papagaio e o Doutor foram cedidos para um cineasta americano.

 

13 – Você é ou foi casada e tem filhos (quantos)? Se sim, o restante da sua família, principalmente os filhos, têm uma relação estreita com o Líbano?

Fui casada com Alain Mangin que faleceu. Dele, eu tive o Mathias Mangin, que é cineasta.  O Mathias lançou recentemente no Brasil, Horácio, com Zé Celso Martinez Correa e Maria Luisa Mendonça. Trata-se de uma metáfora do país, que está nas mãos de gente perversa. O meu companheiro de hoje é um escritor, Jean Sarzana. Tanto meu filho quanto meu companheiro foram comigo para o Líbano.

 

14 – Se quiser me contar algo mais sobre você, os árabes, suas obras, sua história, fique à vontade. Sua trajetória é enorme. Por isso me detive na literatura e suas origens libanesas.

Não teria feito nada do que fiz sem o apoio da minha mãe, que inspirou um filme premiado,   Dona Rosa.

 

 

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Agência de Notícias do Brasil Árabe, junho 2019.