A literatura e a vida

A literatura e a vida

Revista Veja, 14/12/2011

Por que ler os clássicos? O que há neles de fundamental para nós? Com esta questão em mente, reli Hamlet, anotando os seus ensinamentos.

Antes de dizer Adeus a Ofélia, Hamlet envia a ela um poema: «Duvida de que os astros sejam chamas/Duvida de que o sol gira/ Duvida da própria verdade/ Mas não duvida de que eu te amo». Algumas poucas linhas para dizer o essencial sobre o amor. Ou seja, o amor não suporta a dúvida, a desconfiança. Como é patente, aliás, na história de Eros e Psiquê, que vale rememorar.

Sendo o mais terno dos amantes, Eros não deseja ser visto e só vai ao encontro de Psiquê à noite. Desconfiada de que Eros seja um monstro, Psiquê se vale do sono dele para iluminar o seu rosto. Surpreendida pela beleza, deixa cair inadvertidamente  uma gota de óleo quente no ombro do amante, que acorda assustado e vai embora enfurecido.

Também sobre a vida e a morte, Shakespeare diz o essencial em poucas linhas. Assim é no diálogo de Hamlet com a rainha sua mãe. Para fazê-lo aceitar a morte do pai assassinado,  a rainha diz: “…tudo que vive deve morrer, se levado pela natureza para a eternidade”. Palavras sábias. Tanto quanto serão as do novo marido da rainha, o assassino, o rei usurpador, que, temendo a vingança de Hamlet, procura apaziguá-lo com as seguintes palavras: “Viver a tristeza do luto, durante algum tempo, é uma obrigação filial, mas perseverar numa aflição obstinada, é indício de teimosia… de um coração sem humildade, de uma alma sem resignação, de um julgamento fraco e mal formado”.

A leitura dos clássicos é necessária pela sabedoria que há neles sobre os sentimentos humanos, uma sabedoria que faz refletir e viver melhor. Hamlet ensina a não fazer pouco do amor e não desperdiçar a vida, chorando infindavelmente a morte e a perda.

Nenhum inglês ignora a importância do legado de Shakespeare, que não deveria ser esquecido por nós, com o pretexto de que Shakespeare é difícil. Não é. Por outro lado, pela universalidade do seu texto, ele é um dos autores mais traduzidos e mais traduzíveis. Na França, por exemplo, além da tradução integral das obras completas por François-Victor Hugo, o filho de Victor Hugo, há várias outras traduções. No Brasil, temos  boas traduções feitas por Millôr e a obra completa bem traduzida por Barbara Heliodora.