A França de Grignan (2001)

A França de Grignan (2001)

Betty Milan

Por onde quer que chegue em Grignan, você terá o sentimento de estar alucinando. Um castelo da Renascença circundado por uma muralha da Idade Média e uma muralha que não se distingue do próprio rochedo onde está implantada. A completa fusão das épocas e o perfeito entrelaçamento da mão do homem e da mão de Deus.

Já pela visão da chegada, a cidade é arrebatadora. Pela visão e pela vista. Ao longe, uma cadeia de montanhas e, na planície, a luz da vinha, dos campos de girassol e de lavanda, amarelos e roxos.

Mas Grignan também arrebata pela aura literária. Porque no castelo morou Madame de Grignan, a filha e a destinatária de centenas de cartas de Madame de Sévigné, a maior correspondente da literatura francesa.

Não há como fazer a visita sem se interessar por essa grande dama. Quem era Madame de Sévigné e por que escrevia? Já pelo berço era ilustre. Casou-se com um libertino e ficou viúva aos 25 anos para viver como bem lhe aprazia. Segundo um dos cronistas do seu tempo, era relacionadíssima e não havia príncipe, capitão, ministro de Estado, magistrado ou filósofo que não lhe fizesse a corte. O que não significa que ela tenha tido relações amorosas com o outro sexo. Depois da viuvez, só viveu o amor na relação com a filha e, aos 45 anos, por ser obrigada a se separar dela, nasceu para a escrita através da carta.

Quem lê as cartas fica sem saber se o amor materno é o modelo inconsciente do amor-paixão ou se, por não ter um amante, Madame de Sévigné fez da filha a sua musa.

Assim, ela declara que pensa continuamente na destinatária e só encontra consolo para a falta escrevendo. Acrescenta que não deseja encontrar quem a possa distrair, quem a faça parar de pensar em Madame de Grignan, o prazer e a dor da sua vida.

Ama a filha como o amante ama o amado. Por isso, não suporta esperar pelas cartas – “Eu me devoro, tenho uma impaciência que perturba o meu repouso” – e nunca se satisfaz com as cartas que recebe – “Só recebi três…”

O amado conta mais do que a vida para o amante. Madame de Grignan também para Madame de Sévigné: “Sou mais agradecida a Deus por ter conservado a sua vida que por ter me feito nascer”, ou “Me fale do seu balcão e do seu terraço, do móvel do seu quarto e enfim de você. Este você me é mais caro do que o eu”.

E, exatamente como o amante, Madame de Sévigné repreende a filha por esconder sua ternura. Chama-a de maldosa e pergunta ironicamente se ela não mostra o que sente para não a matar de alegria.

Por ter sido a morada da destinatária dessas cartas de paixão e da própria Madame de Sévigné, o castelo de Grignan incita a refletir sobre o amor. E quem fica sabendo da história da restauração do castelo não tem como não pensar que o amor o salvou. Saqueado durante a Revolução Francesa, o edifício só foi restaurado pela esposa de um banqueiro belga, Marie Fontaine, que não resistiu à beleza dele e, mais ainda, à aura de Madame de Sévigné. Como ir a Grignan e não meditar sobre a importância do sentimento amoroso na história da humanidade? Como não refletir sobre a própria existência diante da história de Madame de Sévigné e de Madame de Grignan, essa paixão entre mãe e filha que a França inteira exaltou? Sobretudo se a viagem for durante o Festival da Correspondência que acontece no mês de julho e entrega os adros, os terraços e as praças do burgo aos muitos atores que lá se encontram. Para que eles façam a carta reviver, a de Camille Claudel, de Luis Buñuel, Paul Gauguin e muitos outros.