Rosa Weber na trilha de Simone Weil

Rosa Weber na trilha de Simone Weil

betty milan
Folha de S. Paulo, Opinião. 25/09/2023

 

 

A ministra Rosa Weber preside sessão do STF, em Brasília - Pedro Ladeira / Folhapress
A ministra Rosa Weber preside sessão do STF, em Brasília – Pedro Ladeira / Folhapress

 

O primeiro lugar é o de Rosa Weber, presidente do STF. Foi nesta posição que ela entrou na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1967) e concluiu o curso (1971). Também é a primeira magistrada de carreira empossada na Suprema Corte. Foi a relatora da ação apresentada em 2017 pela liberação do aborto até doze semanas de gestação. Aposenta-se em outubro, mas pretende conseguir a descriminalização do mesmo antes disso. A pauta é prioritária para as mulheres do Brasil, onde o aborto só é autorizado em caso de estupro, risco de morte para a mãe ou anencefalia.

A legislação precisa ser mudada porque é a saúde das mulheres que está em jogo. Sobretudo das mais pobres. Quando a contracepção falha, e ela não pode ou não deseja ter o filho se vale de uma sonda e faz o aborto em casa, correndo o risco de ficar estéril e até mesmo morrer. Para as mulheres da classe média existem as holdings que, visando o lucro fácil, administram centros cirúrgicos, onde o preço do aborto varia em função da idade da paciente e do tempo de gestação. São verdadeiros açougues, onde o aborto é praticado sem higiene e sem assepsia por cirurgião sem diploma.

Até quando as brasileiras vão correr riscos para não por no mundo um filho impossível? Noutras palavras, por serem responsáveis em relação a si mesmas e à sociedade? As mulheres têm o poder de engendrar, mas nada as obriga a tanto.

A interrupção voluntária da gestação, aprovada há quase meio século, na França, é imperativa no Brasil. Como não legalizar o aborto, num país onde tantas mulheres não têm como educar os filhos e precisam abandoná-los, expondo-os à delinquência ?

Vale lembrar como Simone Veil, ministro da saúde de Giscard d’Estaing, procedeu em 1974. Começou o seu discurso histórico dizendo aos membros da assembleia que não falaria enquanto parlamentar, mas enquanto mulher. Acrescentou que faria isso com um profundo sentimento de humildade diante da complexidade do problema, porém com a certeza da importância de uma mudança na legislação. O poder público, disse ela, não pode negligenciar a sua responsabilidade, mantendo o status quo. Ninguém ignora que não há como impedir o aborto clandestino e nem como punir todas as mulheres que o praticam.

Quem alega que o embrião é portador de todas as virtualidades do ser humano e, por isso, não pode ser eliminado, não leva em conta que ele é apenas uma promessa de ser humano – boa parte das concepções se interrompe espontaneamente nas primeiras semanas da gestação. Por que privilegiar o embrião, em detrimento da mulher que o concebeu, quando a gravidez indesejada pode ser tão nefasta para ela quanto para a sociedade ?A apologia da vida, neste caso, é contrária aos vivos.

Simone Veil hoje repousa no Panthéon, pela luta na qual se engajou, depois de ter escapado dos campos da morte. A luta desta francesa ilustre é a de Rose Weber, que foi laureada na juventude e precisa ser apoiada por todos nós.

 

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Betty Milan é psicanalista e escritora, membro da Academia Paulista de Letras