Quem ama escuta I

Quem ama escuta (2011)

 

P: Quem Ama Escuta tem leitura fácil e gostosa e traz questões levantadas em sua coluna na Veja.com. Como é responder a pessoas que não lhe dão a chance do olho no olho?

BM: Ninguém precisa do face a face para escutar. O face a face corresponde a uma primeira fase da análise em que o analisando precisa enxergar o analista, não suporta ainda se confrontar consigo mesmo. Na introduçao do Quem ama escuta, eu respondo ao consulente fazendo uma análise do texto do e-mail que ele me envia. Tanto do pedido e da queixa quanto do estilo. Aí eu levo em conta as expressões, as repetições, os lapsos. Procedo como o analista, que escuta e interpreta o discurso do analisando, que é tratado como um texto. Por isso também a palavra pontuação também é usada para designar a interpretação.

P: Só quem ama escuta? Ou sabemos lidar com uma questão difícil, mas não sabemos enxergar nossos próprios sentimentos e pensamentos?

BM: A escuta  é um ato generoso ou amoroso. Quem escuta se dedica ao outro, e, se a escuta for competente, leva este outro a se escutar. Não é fácil, mas é necessário para superar os problemas da vida e encontrar  caminhos novos. O Quem ama escuta demonstra isso a cada página e é por isso que eu tenho um grande prazer em ser consultora da Veja.com. Acho que consegui levar muitos consulentes a se escutar ou procurar quem pudesse escutá-los. Às vezes não é preciso recorrer a um analista. Um amigo pode iluminar o caminho. Sobretudo quando ele sabe que só ganha perdendo tempo com o amigo.

P: Suas análises ganham sabor especial com as citações de autores como Dostoiévski, Fernando Pessoa, Freud, Lacan, Camões, Shakespeare. É um recurso para dar um tom literário a seu “consultório sentimental” ou uma forma de se fazer entender para seus consultores?

BM: O propósito não é de dar um tom literário ao meu consultório, mas de tornar universal o caso singular, remetendo o leitor a um drama da literatura que pode iluminar o do consulente. Os dramas do amor, do ciúme, da vingança são a matéria-prima dos escritores. Desde sempre. Agora, gostaria de lembrar que o consultório sentimental foi feito por escritores. Entre nós, Clarice Lispector e Nelson Rodrigues, que criou uma personagem, Mirna, para responder às questões dos leitores.

P: Você é autora de ensaios, crônicas, romances e até de peças teatrais, além é claro da psicanálise. Entre essas atividades há alguma que lhe dê satisfação especial?

BM: Nasci com a vocação para escutar e escrever e nunca parei de fazer as duas coisas. Na infância, tinha um teatrinho na casa dos meus avós, no interior de Sao Paulo, em Capivari. Escrevia as peças, dirigia e atuava. Na adolescência, comecei a escrever pequenos textos literários. Aos 18 anos tive uma grande frustração amorosa e fui fazer análise. Descobri a escuta e quis ser analista.Uma sessão pode ser um poema e eu tive muito prazer em clinicar. Agora, eu só me dedico à escrita. Ao escrever, eu me surpreendo ouvindo sem escutar algo que se materializa de letra em letra até as palavras surgirem na tela ou no papel. Algo que só eu ouço e milagrosamente se transforma no texto. Nessa hora, a realidade pouco importa, porque eu fico em estado de graça.

P: O dia a dia da sociedade contemporânea é marcado por situações que fogem ao controle. São problemas de ordem emocional, desemprego, desamor, violência, medo de andar nas ruas, casas cercadas por aparatos de segurança, intolerância racial, social e tantos outros senões, mas a maioria dos questionamentos em seu livro é  voltada para questões sentimentais. As pessoas ainda não aprenderam a se aceitar como são e dependem do outro para se valorizar ?

BM: O que você diz sobre a atualidade vale para outros tempos. Já fiz muita crítica social, fui colaboradora da Folha de S. Paulo durante 25 anos. Mas hoje eu estou interessada na educação sentimental através da mídia. Esta era feita pela família e pela literatura, mas as duas estão em baixa. Trata-se em Quem ama escuta de uma nova educação sentimental.

P: Por que nova?

BM: Por três razões. Primeira, pela ideia de que o inconsciente existe e é preciso se escutar para não ficar à mercê dele, não ser vítima da paixão. Segunda, porque em decorrência da importância aqui atribuída ao inconsciente, a educação não tem regra geral. A resposta é sempre função da particularidade de cada um. Terceira: porque, atualmente, a educação é feita pela mídia, e não mais no contexto da família ou através do romance, que é hoje uma referência de poucos. Para avaliar a necessidade da nova educação sentimental, basta considerar a revolução sexual dos anos 60. Foi condicionada pela descoberta da penicilina e da pílula. Já não havia por que ter medo da sífilis e da gravidez indesejada. A palavra de ordem era transar livremente, sem freio algum. Foi um passo à frente; nós escapamos da repressão imposta às gerações anteriores. Só que o sexo se tornou obrigatório. Quem não aceitasse transar era “antiquado”. Houve uma verdadeira tirania do sexo.

P: Em Quem ama escuta suas respostas indicam um caminho e nunca uma solução para os problemas levantados nos textos. E, misturando psicanálise e literatura, encontra sempre o tom para cada dúvida de seus leitores. É um exercício e tanto. Como encontrou o tom que agrada tanto às pessoas que a procuram?

BM: A primeira tentativa de fazer um consultorio sentimental falhou. Foi quando o jornal O Globo me pediu para substituir Shere Hite. Anos depois eu propûs o consultorio para a Folha de S. Paulo. Me submeteram a um teste que consistia em escrever três colunas quaisquer. Escrevi e eles gostaram. Não procurei o tom, encontrei.

P: Com livros publicados na França, Argentina e China, você se considera uma escritora realizada? Ou ainda pretende muito mais?

BM: Sou uma escritora madura. Pronta agora para escrever os meus melhores textos. Mais que isso eu não sei dizer. Atualmente estou acabando uma peça de teatro, Adeus Doutor, que será encenada na França e no Brasil.

P: O brasileiro não é amante de leitura e dados estatísticos comprovam isso, apesar de uma pequena melhora. Como escritora e formadora de opinião  que mecanismo deveria ser adotado para o brasileiro adquirir o hábito da leitura desde a infância?

BM: Para adquirir o hábito da leitura é preciso ler. Há especialistas que podem dizer, melhor do que eu, como as crianças podem valorizar a leitura. Um dos recursos é ler para elas, eu sempre li para o meu filho e tive muito prazer nisso.

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*Nasci para escutar e escrever e não parei de fazer as duas coisas. Entrevista concedida a A Tribuna. Santos, 18 de sentembro de 2011.