LEITURA DE TEATRO DRAMÁTICO E TEATRO LÍRICO

leitura dramática

 

LEITURA DE TEATRO DRAMÁTICO E TEATRO LÍRICO

PAIXÃO

DIDA

Paixão, peça lírica escrita para Nathalia Timberg. Contraponto entre texto de Betty Milan e dos poetas da lusofonia, encenado em vários estados do Brasil. Os atores contracenam  dando voz ao discurso amoroso.

(música)

ATRIZ

“E
estando
me faltas.”

Me faltas. Verdade no entanto que, se não doesse, já não amaria. A minha solidão seria então sem nenhuma esperança.
Se digo que te amo, é para que me digas o mesmo, para saber se entre nós há reciprocidade, se é tua a minha fissura. Sendo, eu me torno indispensável e posso momentâneamente esquecer de mim

ATOR
Eu te amo, três palavrinhas mágicas feitas para me abrir e fechar a chaga, me prender e me liberar. Na tua ausência, sinto falta, saudade, urgência de te reencontrar. Digo então o mal que a tua ausência me causa: Sem você eu não existo.

ATRIZ
Sendo o meu mal, você é o meu maior bem, insisto em você para não desistir de mim. Insisto, quero e te procure. Como o poeta,  eu busco a estrela da manhã. Onde?
Onde está a estrela da manhã?
Meus amigos meus inimigos
Procurem a estrela da manhã.


PAIXÃO DE LIA

DIDA
Paixão de Lia, peça escrita a pedido de Zé Celso e lida por ele com Julia Gam, no auditório da Folha  de São Paulo em 2002. As atrizes contracenam nos papéis de Lia e Lúcia, dando voz ao amor entre duas mulheres.

(música)
                      
LIA
Me vendo ou me ouvindo, ela saberá dizer : A tudo eu prefiro te amar. Com ela, eu nunca me lembrarei do relógio. O fato de ser dia ou noite pouco me importará. A amante para com ela me transladar, ir a outro sítio, ver, imaginando, as cores todas na espuma branca do mar. Alcançaremos o Oriente extremo. Com ela, eu entrarei no paraíso fumando ópio, atravessarei os continentes, ousarei o mar alto e, depois, ao porto retornarei.
Champanhe e a língua abrupta com que ela me fará fechar os olhos, me deixará sem nenhuma palavra que não seja o nome dela. Ouvidos eu então só terei para o silêncio e para My Man na voz mareada de Billie Holiday.

(música)

LUCIA
Seguir no ritmo de Lia, passo a passo, entre azaleias. Colher uma e, com a pétala, acariciar a sua face. Ficará querendo comigo se ausentar. Não iremos a Roma ou a Paris. Queremos um lugar onde o céu aparecerá através da copa de um buriti e o silêncio será para ouvir as ondas do mar… esquecer que o nosso tempo é o tempo dos mortais.

LIA
Me beije, me envolva e se afaste para, olhando, me apalpar o seio da direita, beber depois o mel no seio esquerdo, o do coração. Me prenda o mamilo entre os dentes, deixando que eu, entreaberta, acaricie com a alamanda o meu botão. Se  Lúcia me perguntar o que mais eu quero, eu só direi: ser tomada por quem você desejar que eu seja.

LUCIA
Te encontrar foi um milagre. A tudo  eu prefiro estar com você. Poucas palavras e você instala na terra o céu… uma voz de anjo que me tira da realidade e prova que a graça existe. A tudo eu me disponho para escutar a  sua voz, que me transporta para longe na terra ou no mar, me faz atravessar as águas, esquecida de ser quem sou e de que  você e eu somos apenas duas mortais.

LIA
Mas é tão seu quanto meu o desejo de conceber.  Morrer tendo sido a que não pôde se perpetuar, eu não quero. Maria, eu vos saúdo. Ave, Conceição! Preciso, quero dar à luz ao pequeno outro que, sem deixar de ser ele mesmo, será eu, me fará, depois de morta, existir.

LUCIA
Lia me permite continuamente ignorar o tempo, imaginar até que sou, como as deusas, imortal, mas só o filho poderá me imortalizar. Amo Lia mais do que a vida, porém, menos do que a imortalidade. Quero me ouvir um dia dizer filho. Escutar o outro que jamais será estranho, ainda que não se assemelhe comigo.

LIA
O pequeno outro que me espelha eu quero. A tudo ele prefere o odor do leite que goteja do meu seio. (O filho entra em cena e fica próximo da atriz) Será, como eu, presa da mesma língua em que eleum dia dirá: o amor é um contentamento descontentedor que desatina sem doer.


O AMANTE BRASILEIRO

DIDA
O Amante Brasileiro, peça escrita a pedido de Ricardo Bittencourt e encenada no Teatro Oficina em 2004.  Os atores contracenam diante de uma mesa iluminada por dois candelabros, dando voz ao amor de  Clara, brasileira, e Sebastien, francês.

(música)

ClARA
tenho certeza de que você se lembra
porque parece que foi ontem
nós estamos no elevador do prédio onde você mora
eu te conto o que eu disse para o meu filho antes de sair: “Até logo, eu já vou indo, vou encontrar o meu amigo brasileiro”
você ri, porque você é meu amante e você é francês
e daí você me sai com:

SEBASTIEN
O amante brasileiro, o título da tua peça é esse, Eva

CLARA
Eva? Você então, daqui por diante, vai se chamar Adão
aceito o batismo que você me dá. Romeu não pediu a Julieta que o rebatizasse?

SÉBASTIEN
me chama de meu amor e eu estarei rebatizado.

CLARA
assim, desde que você me chamou de Eva, eu sou Eva
porque eu sou exatamente como Romeu
nós só falávamos o francês
usávamos o vous e não o tu, mas de repente, no elevador, você me saiu com um tu
você fazia isso quando a coisa vinha lá de dentro e eu pegava fogo
você, alias, imagina que eu pegava fogo o tempo todo
porque eu sou brasileira ou porque eu rio muito?
seja como for, eu sonhava com o incêndio de que você foi a causa
o fogo, a labareda
Sébastien, Sebastião

BRASILEIRA DE PARIS
(1)

DIDA
Brasileira de Paris é uma peça dramática. Teve uma leitura no Teatro Oficina em 2008.  As atrizes contracenam no papel de Dorotéia, a patroa,  e Flor, a empregada,  num apartamento de Paris.

FLOR
Vou comprar um bodezinho com zíper no meio… só existe aqui, na Galeries. Melhor de bodezinho do que nua. Quanto mais a gente esconde, mais a gente mostra. Aprendi isso com Mon Chéri. Só de pensar nele, eu fico… (Flor requebra)Pena  que eu não tenha um marido como o da patroa…ele deixa ela fazer o que bem entender. Desde que não seja importunado pelos amantes dela.

DOROTEIA
Se você pudesse,Flor, você comprava um marido aqui, na Galeries.

FLOR
Mon Chéri um dia me disse “— Me ensina a França, meu bem, ensina que eu gosto ”. (Flor passa a mão no flanco, excitada) Depois, Mon Chéri quis saber quem me deu o nome Flor. Daí ele : “— A flor que eu prefiro é você. Quero sentir o seu perfume. Vem”. Me fiz de gostosa. Não, ainda não. “— Então, dança para eu ver”. (Flor requebra)  Mon Chériquis saber o que significa a palavra quente. Será que ele não sabia? Quente, meu bem, é o café com leite, o queijo dentro do pão. Quando a gente se mistura é quente. Tudo o que faz o coração bater é quente. Daí ele, enlouquecido: “— E xodó o que é?” Amor, paixão, quem a gente deseja beijar. “— Então, vem, meu xodó.” Só se você disser que me ama. “ — Je t’aime. ” Quemulher resiste a um francês?

DIDA
Mas, como nem tudo que reluz é ouro, no dia seguinte o diálogo  das duas foi diferente

DOROTEIA
O que há com você, Flor?

FLOR
Mon Chéri me deu o fora.

DOROTÉIA
E você agora quer o que?

FLOR
Eu? Um namorado, o amor, Dona Doroteia.

DOROTEIA
Então, vamos embora para o Brasil. Você vai trabalhar comigo no teatro. Vamos. Tem sempre mais de um pra  gente namorar. O amor é bandito no teatro. Nasceu do culto de Dionísio, faz o amante imaginar que está no Olimpo, onde só a eternidade existe e o tempo não conta.

FLOR
Como lá no hotel com Mon Chéri?

DOROTEIA
Isso aí, como no hotel, onde Mon Chéri jurava que o amor dele era eterno e você acreditava.

FLOR
Ai, que saudade!

DOROTEIA
Que tal ter saudade agora do próximo amante?

FLOR
Se eu encontrasse um…

DOROTEIA
Vai encontrar. No teatro…

FLOR
E a senhora?

DOROTEIA
Eu? Eu só quero o palco, a transfiguração! No teatro, a nacionalidade não importa, a liberdade reina e eu estarei longe deste teatro de loucos que é a vida. Todos se contradizem e ninguém se entende. Cada um falando uma língua diferente, verdadeira torre de Babel. O que eu quero é me entregar ao drama de uma peça de verdade e não mais ao drama da vida. E, no palco, eu nunca serei tomada por louca pelo fato de ser livre. Serei livre, simplesmente.