Em busca de um amor mais verdadeiro

Em busca de um amor mais verdadeiro

 

Irede Cardoso (1)

O amor é um dos assuntos que andam em baixa nos meios feministas. Simone de Beauvoir falou recentemente sobre a desconfiança das feministas com relação ao amor da mulher pelo homem, em vista da consciência que temos do contexto que nos cerca. A desesperança que nos causa o condicionamento cultural – que tem levado o homem a considerar “normal” explorar e oprimir a mulher, desde a ordem do copo de água, à meia não cerzida, à camisa malpassada, à comida malfeita, até outros tipos de imposição menos banais e mais cruéis – marca algumas de nossas desconfianças.

Afirmar, entretanto, que as feministas são mal-amadas, como costumam fazer nossos detratores (todos eles temerosos de nossas discussões e pontos de vista), é leviano, e a matéria precisa ser analisada com carinho. Querer um amor que entendemos verdadeiro, que comporta o relacionamento prazeroso, o trato amável, a discussão profícua, a briga que se esquece, o repúdio ao sadomasoquismo, o companheirismo, não pode ser um sonho irreal.

Afinal, o que é amor? Pesquisadores pesquisam; cientistas tentam capturá-lo em testes. Mas que tarefa difícil! Por isso, a leitura do livro de Betty Milan O que é amor, Coleção Primeiros Passos, da Brasiliense, é muito, mas muito interessante. É um livro simples e profundo, um trabalho bonito, que nos leva às raízes culturais do amor. O amor brasileiro. Como será sua face? Ela se expõe cotidianamente e nos faltava uma reflexão sobre o assunto. Betty Milan procura revelar aquilo que pressentimos, cavoucando letras de música, temas de nossa dramaturgia e conclui que “amamos o ódio e não o amor; daquele temos a paixão, deste não”.

Com tanto espancamento de mulheres, alguns desatinados chegaram à conclusão de que mulher gosta de apanhar. Nada mais cômodo para continuar justificando uma ideologia machista, opressora, exploradora, que nega à mulher o direito de ser sujeito ativo no amor. Em nossa tradição selvagem e nova, mulher só é sujeito do amor quando se sujeita a pancadarias. O culto da vingança é brasileiro, o do amor não é, diz Betty.

Vale a pena ler e refletir sobre essas considerações. Um problema se coloca após a leitura: é possível continuar a cultivar esse tipo de cultura masculina no que se refere ao amor? A luta é longa, porque as mulheres brasileiras não foram consultadas na construção desses conceitos e comportamentos. Nem tiveram a agressividade suficiente para isso. É necessário que coloquemos nossos sentimentos em discussão. Afinal, uma cultura que se preza é produzida, criada por todos, homens e mulheres. No amor, como no Carnaval, vamos de roldão sendo levadas pela nossa ausência, pelo nosso silêncio. E, certamente, um dia, o amor brasileiro terá também sua boa pitada de feminino.

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1. Irede Cardoso (1938-2000), jornalista, feminista, vereadora na capital de São Paulo, foi redatora-chefe do programa TV Mulher e escreveu, entre outros, Os tempos dramáticos da mulher brasileira e Mulher e trabalho. “O que é amor”, Folha de S. Paulo, 8/06/1983.