ANNE BIANCHINI

ANNE BIANCHINI *

 

Betty Milan, neta de emigrantes libaneses estabelecidos no Brasil, publicou doze livros, dos quais três romances. O Papagaio e o Doutor é seu primeiro romance traduzido para o francês.

Na narrativa, Seriema, a heroína, nascida em São Paulo, se auto-analisa. Tudo começa no divã de um célebre psicanalista: “Diga, minha cara!”. Lacan não é citado em nenhum momento, mas nós encontramos, ao longo do livro, o estilo, a flexibilidade e até os termos extravagantes do brilhante analista. A cura pela análise constitui o material da narrativa, que permite à autora contar a história da sua heroína e procurar as chaves da busca de si mesma através do drama da imigração, das populações desterradas e da perda de sua identidade.

Jovem médica, assistente do Departamento de Psicanálise da Universidade de Paris, duplamente exilada, de sua língua materna e de seu país — o país dos papagaios louros, onde os seus primeiros mestres só lhe ensinaram a papaguear —, Seriema se abre com o mestre em francês, língua estrangeira, para falar e falar de si. É com o riso liberador, a ironia, a paródia, é zombando de si mesma e de seu analista, num brilhante dueto Norte-Sul, que Betty Milan faz ressurgir, no divã, a diáspora de seus ancestrais, dividida entre um Líbano cada vez menos real e um Brasil mítico.

A escrita, viva, alegre, musical, vinda direto do país do samba, simboliza o amor pela língua materna enfim reencontrada. A língua francesa do Doutor, que ela elegeu “por sua ignorância e não pelo seu saber”, parece ser apenas um véu servindo de máscara a Seriema, que não pode e não quer se curar de seus sonhos.

Em relação às dúvidas do autor-narrador — “De onde vim, quem sou eu, para onde vou?” —, Michèle Sarde as responde no posfácio do livro: “Seriema vai procurar sua alma na capital do espírito e aí descobre que ela está no seu país de origem e o espírito paira em todo lugar”.

 

 

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* “O Papagaio e o Doutor”, artigo publicado no Sciences Humaines, em junho de 1997, por Anne Bianchini, crítica literária francesa.