São Paulo 450 anos

São Paulo 450 anos

Colóquio São Paulo–Paris, 2004

 

São Paulo–Paris. Foi nesse eixo que eu me formei, porque sou de uma geração de São Paulo que teve uma relação viva com a cultura francesa e um convívio privilegiado com os seus mestres, Gérard Lebrun, Michel Foucault, Michel Serres… Nós aqui sonhávamos com o que vinha de lá. A tal ponto que eu só me interessei pela cultura brasileira na década de 1980. Depois de ter passado por uma análise com Lacan, que me levou a focalizar o Brasil, deixar de ser uma apátrida por ignorar a cultura popular – que nós pouco estudávamos – e por rejeitar a cultura do imigrante – que não era considerado um bom tema.

Isso surpreendeu Lacan que ao me receber disse: “Uma grande largada. De um para outro continente. Como se você fosse descobrir a América”.

Com efeito, é preciso se afastar do porto para voltar a ele, e eu não parei de me exercitar nesse retorno até chegar a São Paulo. À minha São Paulo, que é a do neto do imigrante. Hoje posso dizer isso em alto e bom tom. Na infância, eu evitava contar que os meus ancestrais eram libaneses. Para não ser chamada de “turca”, não ser vítima da xenofobia dos nativos. Quanto aos ancestrais, eles se recusavam a me ensinar o árabe, por considerar que essa língua estrangeira de nada servia, antes atrapalhava a integração no país. Nenhum deles tinha lido Claude Hagège e tampouco ouvido falar no Collège de France.

Os tempos são outros, mas vale a pena – para fazer a prevenção da xenofobia – refletir sobre a relação do imigrante com o seu país de origem e com o país de chegada, sobre a sua identidade e o ensinamento que ela implica.

O imigrante tem com o país de onde se origina uma relação idealizada, porque se trata do perdido país. Então, por melhor que o país de chegada seja, este nunca é inteiramente satisfatório. A mudança de língua conta e muito nessa insatisfação. Marguerite Yourcenar, que se exilou nos Estados Unidos para escapar aos imperativos da moda literária parisiense, dizia que nada era mais prazeroso do que ir a um bar e conversar com os amigos na língua natal.

Se o país de origem é idealizado pelo imigrante, o país de chegada é simultaneamente amado e odiado. Amado pela liberdade e pelas oportunidades que propicia, odiado porque força a mudar. Não tenho como esquecer da minha avó imigrante queixando-se do Brasil, porque ela aqui não encontrava pera nem maçã. “Só manga, abacaxi”, a avó dizia.

O deslocamento requer a adaptação, obriga a romper hábitos e basta isso para considerar que a cultura do imigrante é do maior interesse. Quem passa de um para outro continente aprende a contar com o próprio talento e a reinventar sua existência.

O imigrante é aquele que partiu, tem a experiência da viagem. Trata-se de um estrangeiro que é obrigado a se formar com os nativos, mas também pode formá-los. Não foi por acaso que Montaigne incitava os jovens a viajar; Michel Serres afirmou que não existe educação sem o “Levanta-te e vai”.

Comemorar os 450 anos da cidade com um colóquio sobre São Paulo e Paris é uma forma de fazer o elogio da viagem, do encontro e de uma antiga tradição – a tradição paulista de gostar de Paris. Como tão bem diz Oswald de Andrade no poema Contrabando(1):

 

“Os alfandegueiros de Santos
Examinaram minhas malas
Minhas roupas
Mas se esqueceram de ver
Que eu trazia no coração
Uma saudade feliz
De Paris”

 

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Colóquio São Paulo–Paris, Sesc São Paulo (SP), janeiro de 2004.

(1) Andrade, Oswald de. Pau Brasil. Edição fac-similar. França, Paris: Sans Pareil, 1925.