Paris não acaba nunca III

Paris não acaba nunca (1996)

 

III

P: O que te levou a escrever crônicas sobre Paris?
BM: O desejo de transmitir uma experiência sobre a cidade que já dura vinte anos e é muito particular – a de quem, a partir de um certo momento da vida, escolheu Paris por Paris, pelo que a cidade propicia a quem deseja escrever. O que eu conto nas crônicas é o resultado de uma experiência de vida, que também é feita de muita errância pela cidade. A errância, além de uma certa solidão, é fundamental para criar. Nos últimos sete anos, que foram de vacas gordas, consegui escrever um ensaio, O país da bola, duas ficções, O Papagaio e o Doutor e A paixão de Lia, dezenas de artigos para jornais brasileiros e essas crônicas que começaram a sair no Jornal da Tarde e devem ser reunidas em livro futuramente.

P: Qual o tema das crônicas?
BM: O ponto de partida é uma história que eu conto sobre o autor de Paris é uma festa, Ernest Hemingway, com quem dialogo nas crônicas inúmeras vezes. Depois, procuro mostrar de que modo Paris favorece o trabalho do artista e por que ela é uma espécie de passagem obrigatória. Falo da Paris dos artistas e dos escritores que a elegeram como terra de exílio, Hemingway, Fitzgerald, Joyce e outros, porém também dos que se exilam na cidade porque só aí podem ter saudade de casa, cantar o seu país natal. Mas Paris não é só uma terra privilegiada, uma terra de exílio, ela também é o paraíso dos namorados, ela é uma cidade que a beleza elegeu para si, e eu digo que a Vênus de Milo não está em Paris por mero acaso. Havia, então, outros aspectos da cidade que me interessavam, como, por exemplo, a relação dos moradores com a casa e com a rua, onde a gente está bem. A descrição da vida na rua me levou a falar dos bares e do passeio pela cidade e pelas margens do Sena, que fazem Paris ser o que é, uma cidade onde há muitos espaços para a contemplação. Também falo das charcuteries, das crèmeries, das insuperáveis padarias, as boulangeries, e, a cada passo, procuro mostrar por que Paris não acaba nunca. Escrever as crônicas foi e está sendo uma viagem, e eu espero que o meu leitor também possa viajar.

P: Por que você não usa maiúsculas e nem pontos?
BM: Há algumas décadas, rompi com eles. Quando escrevo cartas, costumo escrever cada frase sem começar com maiúscula, sem terminar com ponto e dando a ela o espaço equivalente ao de um parágrafo. As crônicas nasceram com esse tipo de escrita. São parentes próximas das cartas, Seja como for, quem ler não terá dificuldade, porque vai logo sacar onde deveriam estar a maiúscula e o ponto e, à medida que vai lendo, acaba prescindindo de um e de outro. Cheguei a reescrever uma parte do texto com maiúsculas, pontos e parágrafos convencionais, mas não funcionou, porque mudou o andamento da leitura, e é isso o que mais me interessa. O que eu quero é um texto em que o leitor possa entrar com a fantasia dele, uma experiência de leitura que seja de certa forma como estar sentado à beira do Sena. O ritmo é o que mais determina a minha prosa, que é sempre poética, porque ela nasce assim.

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“Livro mostra a Paris das Luzes e do exílio”, Jornal da Tarde, São Paulo, 7/04/1996.