O jogo do esconderijo – crítica

O jogo do esconderijo

 

Chaim Samuel Katz (1)

Livro que nos deixa contentes. Pois sendo a produção teórica sobre psicodrama pequena e incipiente no Brasil, dela não esperamos belos ensaios. Mas este o é.

Tomando fragmentos de três sessões de psicodrama, a autora nos leva a pensar o significado terapêutico do grupo. Recusando-se a aceitar a ideia de Bion de que o grupo deve ser examinado como um único “indivíduo”, ou de Wolf e Schwarz, para quem os pacientes de um grupo ainda são inteiramente individualizados, mostra como a grupoterapia deve considerar ambas as dimensões.

Um grupo terapêutico se constitui, na medida em que os indivíduos se sujeitam ao tratamento. Na procura e aceitação de uma grupoterapia, inscreve-se o projeto comum, mínimo, que identifica inicialmente seus participantes. Cada membro quer estar no grupo através de seu próprio desejo, e este desejo não pode ser reduzido ao projeto de grupo.

A autora se propõe a pensar o projeto do grupo, projeto que se elabora na intersubjetividade, escutando ao mesmo tempo o sentido que se dá entre o desejo do indivíduo e sua existência no grupo. O grupo não tem um desejo único, mas um projeto que se marca de acordo com vários sentidos desejantes que se esforçam por produzi-los. Decifrar os desejos, possibilitando sua diferença no interior do projeto, eis a função do terapeuta.

Se o terapeuta se coloca como o modelo da norma a ser seguida, para a manutenção de um (suposto) projeto grupal, exercerá ao mesmo tempo o poder arbitrário de modelar o desejo do outro de acordo com seu próprio saber (e poder). Por isso ele aceita diferenças, “não escapa à perplexidade do não-senso e não-máscara, a irredutibilidades das contradições” (p. 108).

Escrito com bela linguagem, e ainda com o posfácio enriquecedor de Marilena de Souza Chauí, O jogo do esconderijo fez-me refletir sobre como é importante o exercício do pensamento crítico. Mesmo quando alguns colegas continuam a ignorar livros como este, em nome de uma clareza cujo modelo seria seu pensamento unívoco e desconhecedor dos outros; mantenedor, por isso mesmo, daquilo que já foi instituído com sucesso (e que permite um maior exercício de poder, com riscos quase nulos).

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1. Chaim Samuel Katz é psicanalista e escritor em sua especialidade. Além de organizador de obras coletivas, publicou obras individuais, entre as quais estão Ética (1984), Psicanálise e nazismo (1985) e Freud e as psicoses (1994). Publicou este artigo no semanário Opinião, um veículo de resistência à ditadura militar, em 1975.