EDUARDO PRADO COELHO

EDUARDO PRADO COELHO *

 

Trata-se de um livro apaixonante. Sempre, ao mesmo tempo, muito inteligente, muito engraçado, muito teórico e muito bem escrito. O livro me deu prazer do começo ao fim, prazer e vontade de dialogar.

A primeira questão que se coloca é se este romance pode ou não ser traduzido. Não que a tradução francesa seja criticável. Ao contrário, ela é extraordinária e nós lemos na contracapa do Le Perroquet et le Docteur que a autora reconhece na tradução francesa a qualidade de autenticidade do original brasileiro. Mas há diferenças, entre o original e o francês, até mesmo na composição do texto.

O grande Doutor, o Lacan, dá a entender a Seriema, a heroína, que não há como fazer uma análise numa língua que não seja a materna e O Papagaio e o Doutor foi escrito numa língua que não é traduzível, porque existe uma resistência da língua materna à tradução.

O drama de Seriema passa pelas línguas: o português, o brasileiro, o francês, o árabe e o tupi-guarani. E ele é evidente, se considerarmos que na capa de Le Perroquet et le Docteur está escrito traduzido do brasileiro, mas, na página de rosto, lemos traduzido do português (Brasil). Essa oscilação não é casual.

Voltemos às diferenças entre o francês e o brasileiro. Por um lado, o texto francês é muito mais explicativo do que o texto brasileiro. Os capítulos resumem o que se passa no texto. Por outro lado, no texto brasileiro não existe a palavra Brasil e tampouco a palavra Portugal, que aparecem no texto francês.

Para me aprofundar um pouco na análise, recorro a um livro que tem muito a ver com isso, o livro de Jacques Derrida, O Monolinguismo do Outro, em que Derrida fala de uma língua materna que ele não possui, o árabe, e de um francês que ele procura possuir perfeitamente para se compensar da falta do árabe, ou seja, de um francês atravessado por outra língua. É disso que se trata no livro de Betty Milan. A heroína só pode viver em brasileiro, mas o brasileiro dela se faz com outras línguas.

Há em O Papagaio e o Doutor algo que eu acho muito bonito, a idéia de que o fim da análise corresponde à possibilidade de encontrar uma palavra plena. Aí, terminar a análise, é encontrar uma língua e uma terra sem interdições, tirar todos os véus da palavra ou tirar do brasileiro os véus da língua portuguesa, e é isso precisamente que me apaixona neste livro.

 

 

__________________________________

* Intervenção na mesa redonda sobre Le Perroquet et le Docteur, na Embaixada do Brasil em Paris, a 22 de abril de 1997, por Eduardo Prado Coelho, escritor e ex-adido cultural de Portugal na França.