A Mãe Eterna VII

A velha e a moça no espelho

 

P: Você trabalha com autoficção. Quanto da sua própria experiência está em A mãe eterna?

BM: Quanto, exatamente, eu não sei dizer. Mas eu só escrevi este romance por ter me dado conta de que, por causa da idade avançada, a minha mãe, de certa forma, já não estava, havia se distanciado de mim, não tinha mais o mesmo interesse no que me concernia. Ao me transformar com ela em personagem de romance, consegui me distanciar do que estava vivendo e fazer o luto. A mãe eterna é uma metáfora da vida, diz respeito à passagem da condição de filha para a de mãe da mãe.

 

P: O momento da inversão de papéis pode ser gerador de bastante culpa nos filhos, que precisam decidir o que fazer com os pais: interná-los em um residencial geriátrico, contratar cuidadores profissionais, assumir eles próprios o cuidado… Como encarar essa hora?

BM: Tudo depende da relação com os pais, do tempo e dos recursos materiais de que os filhos dispõem. A solução do “residencial geriátrico” pode se impor, mas o melhor é a pessoa não sair da própria casa. Mamãe vai ficar na sua residência até o fim, e, para isso, eu mesma formei as cuidadoras que se ocupam dela, ensinei que o velho tende a ser negativista, porque esta é a sua maneira de preservar sua independência, e que é preciso ter paciência.

 

P: A decrepitude dos pais assusta, porque representa também a futura decadência do filho?

BM: Isso mesmo. Os filhos se espelham nos pais e, por causa desta relaçao especular, a decrepitude se torna assustadora. Noutras palavras, o narcisismo dificulta a relação. Para superar a dificuldade, é preciso aprender a escutar o idoso.

 

P: Conviver com o pai ou a mãe extremamente debilitados pela idade e pela doença já é uma forma de viver o luto pela perda que virá?

BM: Com certeza. A velhice extrema pode ser comparada à doença terminal. Por isso, eu sou favorável a cuidadores especializados, que não sofrem tanto quanto os familiares. Como nós, hoje, vivemos três vezes mais do que durante o Império Romano, o drama da longevidade precisa ser levado a sério; nós precisamos nos perguntar até quando a vida deve ser prolongada.

 

P: “A morte do filho é tão inconcebível quanto a falência da mãe”, diz um trecho. Por quê?

BM: O filho simboliza a imortalidade e, por não aceitarmos a morte, nós não concebemos a desaparição do fiho. Trato disso em A paixão de Lia, que está publicado pelo Record na Trilogia do amor.

 

P: O que é fundamental para o filho que decide assumir o cuidado do pai ou da mãe de forma integral?

BM: Proteger o velho sem ser autoritário. Para tanto, é preciso entender que o velho luta pela sua independência . Por isso em A mãe eterna, a mãe da personagem é comparada a Winston Churchil.

 

P: Sua personagem idosa, de vez em quando, dá umas escapulidas, expondo-se aos riscos de cair ou ser assaltada na rua, numa tentativa de reafirmar a independência que vai se perdendo. Essa nova relação que se estabelece pode ser também bem difícil para os pais, não?

BM: Tão difícil para os pais quanto para os filhos e, para vencer a dificuldade, é preciso ter humor. A mãe do romance é muito engraçada, como a minha mãe, que, por uma certa falta de crítica, própria à idade, faz coisas inimagináveis. Nós todos aprendemos a rir com ela e a frequentamos muito. Mamãe tem 98 anos e tem uma vida social intensa.

 

P: Estamos vivendo cada vez mais. Do ponto de vista psicológico, trata-se de um grande desafio? Por quê?

BM: Isso depende de cada um. Há quem não se importe com a decadência física. Há quem não a suporte. Depende muito da relação com o espelho e com o limite.

 

P: Como devo te creditar nesta entrevista?

BM: Escritora e psicanalista ; autora de romances, crônicas, peças de teatro e colaboradora, há 30 anos da grande imprensa. Atualmente, tem uma coluna na Veja.com.

 

 

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Zero Hora, Porto Alegre (RS), 25-26 de julho de 2016.